terça-feira, 25 de setembro de 2012

Cesariana Humanizada




O problema de expressões como “cesariana humanizada” ocorre porque existe um conceito no mundo da humanização do nascimento de que tal procedimento cirúrgico não pode ser chamado de “humanizado”, pois lhe falta um elemento essencial na humanização: o protagonismo. Sem o resgate do protagonismo nunca haverá verdadeira humanização. Portanto uma cesariana pode ser “humana”, gentil, digna e respeitosa, mas jamais "humanizada", pois carece do elemento mais fundamental para contemplar essa definição. Não existe "apendicectomia humanizada", “histerectomia humanizada”, ou qualquer cirurgia que mereça esse epíteto, pois o protagonismo é do médico, e não da paciente. Numa cesariana a mesma coisa. Cesariana é cirurgia obstétrica, não é parto; portanto é um procedimento técnico, regido por protocolos médicos, e nesse contexto as mulheres são necessariamente passivas.

O parto, pelo contrário, é ATIVO. É algo que a mulher FAZ, e não ao qual é submetida. Somente aí poderão aparecer os elementos constitutivos e definidores da humanização: o protagonismo, a visão integrativa (bio-psico-social-emocional-espiritual) e a vinculação com a medicina baseada em evidências.

Hoje em dia eu acredito que o ativismo só tem sentido quando está focado no bem estar das pessoas. Veja bem, até a biblioteca Cochrane se vacinou contra esse tipo de essencialismo obliterante e homogeneizante ao difundir a Medicina Baseada em Evidências. Eu escrevi um capítulo no meu segundo livro só para tratar desse tema, pois acredito que as nossas convicções, por mais adequadas e humanistas que sejam, não podem solapar a individualidade. Sou um defensor da liberdade, e acredito mesmo que o individualismo - mesmo com sua tendência egocêntrica - é o único anteparo que temos à barbárie. Com a ideia SEMPRE PRESENTE de que CADA MULHER É DIFERENTE DA OUTRA fica impossível dizer "eu jamais faria isso". No que concerne a um evento tão complexo como o parto, é injusto condenar mulheres que optam por uma cesariana "sem andar 100 km dentro dos seus mocassins", assim como não é adequado julgar um médico que, por alguma razão BEM ESPECÍFICA E RARA, realizou uma cesariana a pedido, sem indicações clínicas evidentes. Se isso não nos autoriza a realizar cesarianas à rodo, pelo menos nos mostra que existem exceções, e que algumas vezes elas podem ser justificadas.

A multiplicidade das circunstâncias e a infinidade incontável de histórias constitutivas do sujeito fazem do parto um evento absolutamente único, vinculado às formas mais primitivas de organização psíquica. O nascimento conjuga no mesmo evento morte, vida e sexualidade, no dizer de Holly Richards. Como imaginar, então, que sua manifestação não seja repleta de dilemas únicos e de profunda complexidade? Portanto, a partir do momento em que aceitamos a visão complexa e subjetiva do fenômeno humano, expresso no nascimento, as posturas "fechadas" como "eu sempre" ou "eu nunca" acabam se tornando slogans do passado, um pouco cafonas, que apenas nos lembram dos ímpetos da juventude, mas que necessitam da sabedoria que vem com o amadurecimento.

Quando defendo o arrefecimento das posturas radicais, não o faço pela desistência aos ideais. Pelo contrário: é para que os mesmos sonhos não se dissolvam no calor da arrogância ou na insensatez dos extremismos. Todas as ideias renovadoras na humanidade precisam ser bafejadas pela visão humanista, que coloca o Homem como centro de nossas ações. Nossa luta por partos humanizados só pode ter sentido se nos lembrarmos constantemente de que as ideias de nada valem sem as pessoas.

E só pode ser para elas, em sua característica única, a nossa atenção.

De: Ricardo Herbert Jones