quinta-feira, 26 de junho de 2003

Estupro do Século XX

por Ana Cristina Duarte - co-fundadora das Amigas do Parto e doula
Li um texto em inglês há alguns anos, que relata a história de 5 partos de uma mãe americana. A cada parto, barbaridades, intervenções, separações, todo tipo de absurdo. Aos poucos os partos foram ficando melhores, até que o último foi do jeito que ela queria.
O nome Estupro serve bem ao caso da Cecília, que acaba de entrar em nossa lista. Uma mulher saudável, com um bebê saudável e gestação de baixo risco, se entregando às decisões do marido, da médica e da família, evitando assim um confronto desconfortável. Não quer discutir mais, não quer mais brigar, está cansada disso tudo.
Assim ela se sente, assim ela diz:
- Ah, tá, ok! Vocês querem me cortar? Cortem, façam o que quiserem. Eu não quero mais discutir sobre isso. E se isso me matar ou deixar o meu bebê com tubos em uma UTI, vocês vivam com isso em suas consciências. Pra mim tanto faz! Lavo minhas mãos!
Mas a vida não é tão simples. A gente tem que tomar decisões da hora que acorda até a hora que vai dormir. Decide sobre a carreira, a casa, a família, a gravidez, a educação dos filhos. E quer fazer o que é melhor.
O que é melhor para uma gestação de baixo risco? Ninguém mais discute essa questão hoje em dia. Tirando os casos raros de problemas insolúveis do parto, a melhor opção é o parto normal. Mas na Veja saiu uma matéria sobre a cesárea de hoje em dia, tão segura.. Na revista Claudia, o Dr. Drauzio Varella afirma que parto normal é chato, é muito melhor cortar e pronto.
Nossas atrizes e mulheres famosas escolheram cesáreas com data marcada.
E agora?
Vou dizer algo que pode parecer egoísta e impensado: Meu Corpo é Meu!!!
Ninguém vai me cortar sem que EU queira. Ninguém vai me amarrar, me injetar drogas, me raspar, me lavar e esfregar, sem que eu esteja plenamente convencida da necessidade desses atos. Meu corpo é minha casa. É onde vivo, onde fiz meus filhos, onde fiz o alimento que os fez crescer com saúde. Meu ventre é sagrado. Ninguém tem o direito de invadi-lo porque tem medo dos meus partos, medo de me ver dar a vida, dar à luz meus filhos.
Vou parir como quero, vou colocá-los para fora quando EU quiser e quando ELES quiserem. Amo meu marido, respeito meu médico, mas quem manda no meu corpo sou EU. Se alguém quer me cortar, que me convença da real necessidade.
Não vou permitir que me amarrem a uma mesa, me anestesiem, me cortem e me sangrem, que abram meu útero, e mais 6 camadas do corpo porque estão com medo do meu parto.
Meus filhos são parte da minha carne. Meu ventre é o melhor lugar para eles até que eles resolvam nascer. E quando eles derem o sinal, quando eles quiserem se venturar nesse mundo que pode ser tão lindo para quem tem olhos de ver, eles vão sair. Juntos trabalharemos, faremos força, giraremos nossos corpos, dançaremos sob a penumbra e então nos separaremos. Exatamente como minha mãe fez, como minha avó, como todas as minhas ancestrais. Temos todas o mesmo sangue, herdado geração após geração, através de nossos úteros, nossas placentas, nossos cordões.
Eu posso, eu quero, e eu vou determinar como meus filhos vão nascer. E quando eles nascerem ficarão comigo, nossas peles unidas agora por fora.
Nossos corpos separados apenas por uma película de suor e do líquido que os envolvia. E vou amamentá-los, nutri-los e separar-me deles quando EU entender que é hora. E se eu quiser separar-me, os deixarei onde achar seguro, e não dentro de um aquário de maternidade, junto a outros tantos bebês, expostos em vitrines 5 estrelas.
Não terei meu ventre partido ao meio para satisfazer a agenda de uma médica sem escrúpulos o ao medo incontrolável de meu marido. Ele que se informe, que aprenda, que leia, e que me respeite. Sou a mãe de seus filhos.
Sou uma mulher inteira, na alma e no corpo. Sei tomar minhas decisões e sei o que é melhor para mim.

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