terça-feira, 27 de maio de 2003

Não consegui amamentar, tive medo do parto normal... Fracassei !?

Esse texto foi escrito pelo Ricardo, falando da capacidade de aprender com os erros, superar obstáculos e percorrer caminhos para atingir nossos objetivos


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A Drª Gabriela Dorothy, grande dentista homeopata e especialista em respiradores bucais com fama internacional, (a fama é dela, não dos respiradores) uma vez almoçou comigo durante um congresso. Eu contei pra ela o fato de que eu não havia sido amamentado, e que essa era a principal razão das minhas múltiplas perturbações mentais. Disse-lhe que se tivesse sido razoavelmente amamentado eu poderia ter uma vida normal, e não ser um prisioneiro das minhas neuroses. Um pouquinho apenas de leite materno e eu seria hoje um cidadão adequado, ajustado e normal !! Ela sorriu para mim e disse: Jack o estripador provavelmente foi amamentado ao seio, o que não o livrou de ser um assassino frio e cruel.

À tarde ela tinha uma outra conferência sobre amamentação e respiradores bucais e lá estava lá eu, sentado na primeira fila. O seu jeito afetivo, carinhoso, maternal, e principalmente a forma amorosa como ela se referia ao seu marido a deixavam com uma aura angelical, que a todos encantava. No meio de sua explanação, e enquanto produzia-se um pequeno burburinho no fundo da sala, ela voltou-se para mim e disse, para uma platéia de mais de 400 pessoas:

- Vejam aqui o exemplo do Dr. Ric. Não foi amamentado ao seio, não teve a oportunidade de exercitar sua musculatura facial pelo exercício do aleitamento materno. Foi constrangido a usar mamadeiras desde cedo, perdendo todas as vantagens que eu acabei de enumerar a respeito da amamentação. Apesar disso, ele consegue ficar com a boca fechada............ e respirar ao mesmo tempo.

Risadas, muitas risadas. Os "pontinhos" que eu escrevi na frase acima, em verdade, foram bem maiores do que parecem. Quando ela deu essa paradinha, todos riram da minha possível dificuldade em "fechar a boca".

Naquele dia eu entendi que, assim como o parto natural é um grande impulso para uma vida mais saudável desde o início para o bebê, e uma grande possibilidade transformadora para a mãe, um desmame ou uma cesariana TAMBÉM podem produzir pessoas ajustadas.

Somos seres multifatoriais. Somos nós mesmos e nossas circunstâncias, como diria Ortega. Estabelecer essa ligação direta entre desmame = doença, cesariana = prejuízo irreversível é reducionismo ingênuo. Somos muito mais adaptáveis do que isso.

A luta pela humanização deve ter sempre um caráter includente, isso é, deve sempre tentar somar. Excluir as pessoas que fizeram cesariana (ou desmamaram precocemente) e taxar suas condutas de erros irreversíveis é um equívoco.

Podemos dizer que amamentar ao seio por tempo indeterminado é uma conduta que tem uma possibilidade muito maior de gerar benefícios e saúde. Podemos também dizer que uma pessoa que escolhe um parto natural e humanizado tem uma possibilidade muito grande de sair do processo de parto/nascimento muito mais fortalecida e confiante nas suas capacidades. Entretanto, garantir esse sucesso, ou o fracasso das opções opostas, é desreconhecer as múltiplas facetas da alma humana e a nossa fantástica capacidade adaptativa.

Não somos máquinas programadas para reagir uniformemente ao mesmo estímulo.

Provavelmente temos gênios na história da humanidade que iniciaram sua obra sobre o fracasso de uma amamentação e sua posterior dificuldade em relacionar-se bem com sua mãe, por exemplo. Ou mulheres que iniciaram uma obra de conscientização sobre o nascimento a partir de um fracasso de parir naturalmente, como a Robbie Davis-Floyd ou mesmo a Ana Cris. Somos muito mais criativos do que imaginamos, e é por isso que a nossa espécie continua aqui, apesar de tantos obstáculos.

Uma criança amamentada ao seio tem muito mais probabilidade de ser saudável (e ter um peso bom, por exemplo) mas esse simples fator não pode neutralizar TODOS os outros (como o biotipo, conforme foi corretamente falado). Uma mulher cesariada terá uma série de dificuldades, mas isso não significa que ela não terá uma boa e saudável relação com seu filho, mesmo com um início que não é dos melhores. Seu filho igualmente poderá ser uma criança com saúde e com uma grande capacidade afetiva, mesmo tendo sido tirado do claustro materno de uma forma não natural e até mesmo agressiva.

Como diria meu filho Lucas: "Expand your mind, expand your horizons"....

Somos centelha divina, e temos nosso pé fincado numa data tão distante.

Temos a doença incurável da evolução, e somos criados da matéria adaptável dos múltiplos sóis, que brilham no escuro dos céus. Temos a sentença de progredir sempre, tal é a lei.

As dificuldades todos as temos, mas muito maior do que elas é nossa sina de mudar, e mudar, e assim corrigir rotas e rumos.

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